Greve dos médicos: ficção ou realidade?

* Texto enviado por um leitor do Blog

Muitas vezes a própria realidade guarda acontecimentos que seriam dignos de uma obra de ficção. Tanto é o grau de inexplicabilidade de alguns eventos que facilmente eles poderiam fazer parte de um filme ou livro famoso, por se tratar de algo que, em tese, não estaria sujeito ao desenrolar dos fenômenos reais como conhecemos. É interessante que estes fatos tão incríveis acontecem à nossa volta a todo momento, e não nos damos conta disso.

Parece que a capacidade de se surpreender diante do mundo se perdeu. A indignação diante de injustiças sociais, decisões políticas equivocadas e corrupção está cada em vez mais em desuso, em prol de assuntos como o último capítulo da novela ou o desempenho do time favorito na rodada. Temas que mereceriam um atenção permanente da sociedade são deixados em segundo plano, favorecendo a insensatez que ronda o desempenho de autoridades representativas e de alguns veículos de comunicação locais.

Esta espécie de 'ceticismo', que talvez se manifeste de forma instintiva no comportamento do ser humano - como se a vivência do cotidiano não reservasse momentos de assombro e surpresa - atrofia a capacidade de despertar no indivíduo o olhar que busca o extraordinário em meio ao ordinário, tipo de ferramenta que também leva à perspectiva crítica e ao questionamento sobre as soluções de nossos problemas mais difíceis. Assim, somos parte de uma massa que se move de modo inconsciente, e portanto, imprevisível, sujeita à manipulação constante, com capacidade de indignação praticamente nula.

É possível encontrar exemplos bem acessíveis para ilustrar esta ideia. Imagine uma greve de sete meses em uma empresa metalúrgica da cidade, por exemplo. Iria certamente causar efeitos no bolso de seus gestores e na economia local. Dificilmente uma paralisação em uma empresa privada duraria tanto tempo. Em algum momento, bem antes de ultrapassar este prazo, um acordo seria realizado, mesmo não sendo o ideal. Afinal de contas, a palavra negociação fala por si só: ambos os lados devem ceder um pouco, para atingir o resultado mais próximo possível do senso comum. Diálogo.

Bem, então falemos agora da real situação da saúde no município. São mais de sete meses que os postos de saúde do enfrentam carência de médicos e a população sofre com a falta de atendimento. Sete meses de greve, quase completando oito. Acima de considerar ou não legítima a realização do movimento, é necessário que se busque uma solução para o problema. As últimas informações desta novela pertencem àquelas situações que seriam mais coerentes em um folhetim barato ou um filme de baixo orçamento, por serem tão implausíveis de estarem acontecendo no mundo real. Típico exemplo de que a vida pode ser mais inverossímil que a ficção.

Inicialmente, o reajuste solicitado pelos profissionais da saúde era de 300% (pouco, não é?). A prefeitura se negou a negociar. Os médicos mantiveram a sua posição. Depois de alguns meses de enrolação e nenhuma ação, houve um recuo do aumento reivindicado e, pela primeira vez, ocorreu um encontro da comissão formada por membros da prefeitura com os médicos. Deste não saiu absolutamente nada de prático.

Mais algum tempo de greve e, no dia 26 de outubro deste ano ocorreu uma nova reunião - em meio a diversos protestos como o do Movimento Vivo - e aí houve, pela primeira vez em vários meses de greve, a primeira proposta oficial do poder público. 'Agora vai', pensaram os mais otimistas. Ainda não. Os médicos rejeitaram as propostas de salário. Querem quatro mil reais para duas horas diárias de trabalho, com 15 pacientes agendados por dia.

Então chegamos à situação atual: está a cargo da justiça julgar o mérito da greve. Prevista para a última quarta-feira, a decisão sobre a legalidade do movimento ainda não aconteceu. A comunicação entre o Sindicato dos Médicos e a prefeitura, que já era praticamente inexistente, agora pertence ao terreno da imaginação. Aliás, esta greve já estaria sendo realizada há mais de um ano, começou ainda em 2010. Foi a justiça que interrompeu o movimento. Foi em abril deste ano que foi concedido o direito aos médicos de realizarem greve, o que inevitavelmente aconteceu.

Um protesto organizado por movimentos sindicais e trabalhistas na manhã do último sábado(26/11) teve o objetivo de restaurar a indignação com relação a esta greve. Centenas de pessoas demonstraram que é possível manter posição diante deste exemplo infeliz de falta de bom-senso de nossos administradores.

Portanto, nós cidadãos, temos que voltar nossa atenção para isto: um serviço essencial para a população sendo prejudicado por conta da omissão dos principais agentes envolvidos no assunto. O prefeito não abre a boca, só quando convém. Foge de tudo aquilo que pode gerar polêmica, e delega à secretária a missão de enrolar a população. Lamentável.

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