Luis Fernando Veríssimo e o aborto

Publicado originalmente com o título "Às entrenhas" em 19/04/2012 na Zero Hora

A questão da liberação ou não do aborto é uma questão antiga como a tragédia grega. Em Antígona, escrita séculos antes de Cristo, Sófocles já tratou do que é, no fundo, o que se discute hoje, os limites da intervenção do Estado na vida e nas crenças das pessoas. Antígona quer enterrar seu irmão, morto em guerra contra Tebas, e por isso condenado pelo rei de Tebas a permanecer insepulto.

A peça é sobre o confronto de Antígona com o rei Creon, do sentimento com a lei, do indivíduo com o Estado, do poder da compaixão e dos rituais familiares com o poder institucionalizado e prepotente. A lei de Tebas proíbe o sepultamento do irmão de Antígona, que se rebela e o enterra assim mesmo, com o sacrifício da própria vida. Em gerações ainda por vir o confronto de Antígona e Creon se repetirá.

No caso do aborto, em países, como o Brasil, em que a legislação a respeito ainda não foi modernizada, a intervenção do Estado chega às entranhas da mulher. É a lei que decide o que a mulher deve fazer ou não fazer com o filho indesejado, ou que ameaça a sua vida. E esta é uma decisão que deveria acontecer o mais longe possível de qualquer consideração legal, no íntimo da mulher, que é dona do seu corpo e do seu destino.

Nem é preciso lembrar que a legislação atrasada força mulheres a recorrer ao aborto clandestino, em condições precárias, com riscos que não existiriam no caso da legalização.

Discute-se quando começa a vida, o que equivale a fixar em que ponto o feto, de acordo com a lei, passa a ser protegido do Estado. Mas do começo ao fim da gestação o feto faz parte do corpo da mulher. O ideal é o processo se completar sem interrupção, ninguém quer a banalização do aborto, mas até a criança ser “dada à luz” ela pertence à mulher, a quem cabe tomar decisões sobre sua vida tanto quanto sobre sua própria vida.

O Estado não tem nada a fazer neste arranjo particular, salvo assegurar as melhores condições possíveis para o parto ou para o aborto.

Sem sepultura
A analogia com a peça de Sófocles também serve para o que se pretende com a investigação do que houve durante a repressão aos contestadores do regime militar. No caso, a analogia é ainda mais apta, pois um dos objetivos da tal Comissão da Verdade é localizar os corpos dos insurgentes mortos, que permanecem não insepultos, mas em covas desconhecidas, enterrados sem cerimônias ou identificação.

Antígona quer que o Estado devolva o corpo do seu irmão à família, para enterrá-lo. Ele não pertence mais ao Estado, nem a quem o armou para atacar o Estado. Não pertence mais à História. Agora é apenas um irmão morto sem uma sepultura digna.

Comentários

  1. Esse Veríssimo ou está caduco ou se passa por tal. Apóia o assassinato de crianças inocentes, vulgo aborto, ao invés de defender a lei atual que dá a liberdade à mãe de entregar seu bebê para adoção quando não puder criá-lo. Mas não, ele quer que seja como países " modernos", onde mulheres podem escolher se vão matar seus filhos ou assumir seu papel de mãe e mulher de verdade. A mulher é dona do SEU corpo e destino. E não do seu filho inocente. Mas a Zero Hora e o Veríssimo não pensam assim. Acham que aborto é só um pobre a menos no mundo deles.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Somos responsáveis, mesmo que indiretamente, pelo conteúdo dos comentários. Portanto textos que contenham ofensas, palavrões ou acusações (sem o fornecimento de provas) serão removidos. Se quiser falar algo que necessite de anonimato use o email polentanews@gmail.com

Postagens mais visitadas deste blog

Lei de Responsabilidade Fiscal, de Sartori, paralizará o Estado

Caso Paese já virou piada. Juiza ignora, agora, até a Ficha Limpa

Gravações do MP mostram que Jardel negociou 10 cargos para votar favorável ao aumento do ICMS