A "entrevista bombástica" que a Veja divulga nunca aconteceu

Fonte: Brasil 247

Desde ontem à noite, Veja anuncia por meio de dois de seus porta-vozes extraoficiais, os jornalistas Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo, uma capa bombástica contra o ex-presidente Lula. A “mais importante desde a entrevista de Pedro Collor”, que gerou o impeachment de seu irmão Fernando Collor, há exatos vinte anos. A capa, no entanto, não entrega a mercadoria. Traz uma declaração de Marcos Valério de Souza (“Não podem condenar apenas os mequetrefes. Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos”) que não foi dita diretamente à revista. Trata-se, na verdade, de algo dito a interlocutores próximos do empresário, já condenado na Ação Penal 470, mas não oficialmente à revista. Off the records, portanto.

A reportagem começa com uma narrativa sobre a rotina de Valério, como o fato dele levar todos os dias os filhos à escola, para dar ar de verossimilhança ao texto. Mas nenhuma das declarações – todas elas capazes de provocar uma crise política de proporções inimagináveis – foi dita a jornalistas da revista. Eis algumas delas:

“Lula era o chefe”.

“Dirceu era o braço direito do Lula, o braço que comandava”.

“O Delúbio dormia no Alvorada. Ele e a mulher dele iam jogar baralho com o Lula à noite”.

“O caixa do PT foi de 350 milhões de reais”.

“(Depois da descoberta do escândalo), meu contato com o PT era o Paulo Okamotto. O papel dele era tentar me acalmar”.

“O PT me fez de escudo, me usou como boy de luxo. Mas eles se ferraram porque agora vai todo mundo para o ralo”.

“Vão me matar. Tenho de agradecer por estar vivo até hoje”.

Não sabe, portanto, se Valério realmente disse o que Veja atribui a ele. Pode ter dito, como não dito. O fato é que não assume publicamente suas declarações – algo bem diferente do que aconteceu vinte anos atrás, com Pedro Collor. Em vários depoimentos, todos eles gravados, ele narrou ao jornalista Luís Costa Pinto, então repórter da revista em Recife, detalhes da vida privada do ex-presidente Collor. Era uma entrevista em “on” – contestada apenas por aqueles que diziam que Pedro Collor não estava no juízo normal quando deu suas declarações.

No caso atual, pode-se acreditar ou não na versão de Veja. Valério disse porque Veja disse que disse. Ou Valério não disse porque Veja mantém sua cruzada contra o ex-presidente Lula, iniciada em 1º de janeiro de 2003, dia de sua posse.

Como se sabe, Lula não foi alvo de um processo de impeachment em 2005, porque a oposição, regida pelo antecessor Fernando Henrique Cardoso, não teve coragem de enfrentá-lo. Sobrou para o “capitão do time” José Dirceu, muito embora o delator Roberto Jefferson agora acuse Lula de ser o “mandante” de todo o esquema – uma contradição que o procurador Roberto Gurgel desconsidera, uma vez que Jefferson serve para incriminar Dirceu, mas não Lula.

Agora, com a capa desta semana, Veja sugere que Marcos Valério poderá fazer uma delação premiada para incriminar também o ex-presidente Lula. Assim, não apenas alguns símbolos da era Lula seriam condenados, como, talvez, o próprio ex-presidente.

Anunciam-se tempos de radicalização política no País.

Advogado: Valério "não confirma" frases de Veja 


O advogado de Marcos Valério afirmou neste sábado que seu cliente "não confirma" as informações publicadas na revista Veja deste final de semana. Marcelo Leonardo, que defende o publicitário na Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal (STF), disse que Valério não concedeu entrevista à revista, segundo notícia publicada pelo Jornal do Brasil Online. Reportagem da publicação dá frases do réu no caso do "mensalão" que teriam sido ditas a supostos interlocutores próximos, como amigos e familiares (leia mais).

O advogado considera desnecessário, no entanto, tomar alguma atitude contra a revista. "O próprio perfil da revista torna desnecessário tomar qualquer atitude. O STF, por seus ministros, tem dito que eles julgam de acordo com a prova existente nos autos e não decidem com base em matérias que saem na imprensa. Entendo que essa matéria, que não tem conteúdo relativo a entrevista porque ele não deu nenhuma entrevista, não vai repercutir em nada no julgamento", afirmou.

Ao Globo, Marcelo Leonardo disse que seu cliente "não dá entrevistas desde 2005" e "não confirma o conteúdo da matéria". Trecho da reportagem de Veja diz que o publicitário teria medo de ser assassinado por saber demais sobre o esquema. Sobre o fato, o advogado diz: "Não sei de onde tiraram isso. Tem que perguntar para o jornalista que escreveu a matéria. O Marcos Valério não confirma essas informações".

 

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