A sucessão estadual no Rio Grande do Sul e o fator PRBS

A tese da decadência da
economia gaúcha começa a
enfrentar um poderoso adversário:
 a realidade. O atual momento
econômico da economia do Rio
Grande do Sul é de recuperação
 e crescimento.
Por Marco Weissheimer - Sul 21

A RBS tem uma tese geral sobre o Rio Grande do Sul que afirma a decadência do Estado. Não é só a RBS que defende essa tese, mas ela é a usina central de formulação e desenvolvimento da mesma em várias áreas. Os dirigentes da empresa realmente acreditam nisso e essa crença é repetida, de diferentes maneiras e com inclinações diversas, em praticamente todos os seus veículos.

Há duas premissas embutidas nessa tese, que nem sempre são devidamente explicitadas. A primeira delas afirma que o Rio Grande do Sul viveu uma era de ouro no cenário nacional e hoje é um Estado que não se destaca na Federação, apresentando uma piora de indicadores em várias áreas. A segunda é que essa era de ouro ocorreu em um passado distante e que a RBS, enquanto principal grupo midiático do Estado (e da região Sul do Brasil), não tem nada a ver com as escolhas que conduziram a essa suposta decadência.

O uso da palavra “suposta” aqui não parece ser um exagero. Como é que se expressa mesmo essa “decadência” do Estado? O que perdemos pelo caminho e como perdemos? O hino do Rio Grande do Sul, como se sabe, canta essa mítica era de ouro, cujas façanhas serviriam de modelo a toda terra. A humildade não é o forte dessa mitologia fundadora do “Rio Grande”. O nosso Estado disputa com Pernambuco, a “nova Roma Imperial”, segundo o hino de lá, o troféu das ambições regionais enlouquecidas. As nossas façanhas não servem mais de modelo a toda terra? Não parece ser exatamente assim.

Nas últimas décadas, o Rio Grande do Sul teve ótimos momentos e realizações que tornaram o nome do Estado conhecido positivamente em muitas partes do mundo. Os dois principais times de futebol do Estado ganharam títulos nacionais, continentais e mundiais. O Orçamento Participativo e o Fórum Social Mundial trouxeram para cá visitantes de dezenas de países, interessados em conhecer ideias e práticas de democracia e de políticas públicas aqui desenvolvidas. Houve piora de indicadores em áreas importantes, é verdade, como a educação, mas nada que possa ser definido como uma tragédia, considerando o quadro nacional e o contexto da crise financeira estrutural do Estado. Apesar dessa crise, algumas políticas desenvolvidas aqui serviram – e seguem servindo – de modelo a toda terra. Outras, nem tanto.

De modo geral, duas concepções políticas vêm se defrontando no Estado na última década. Uma que aposta na iniciativa privada, no mercado e nos seus modelos de gestão como receita para superar a “decadência” do Estado. Esse modelo, abraçado editorialmente pela RBS, teve nos governos de Antônio Britto e Yeda Crusius seus principais expoentes, com os resultados conhecidos. A outra concepção, expressa principalmente pelos dois governos do PT no Rio Grande do Sul, defende o fortalecimento do Estado como agente indutor do desenvolvimento e articulador de novos espaços e formas de democracia. O governo de Germano Rigotto, do PMDB, representou uma posição intermediária eleita com um discurso de pacificação da suposta guerra vivida então no Estado.

Em 2014, as primeiras pesquisas indicam que essas duas concepções vão se defrontar novamente de um modo muito explícito. Pesos-pesados da RBS estarão envolvidos nesta disputa: Lasier Martins, Ana Amélia Lemos e, talvez, Sérgio Zambiasi (como possível vice na chapa de Tarso Genro). Um eixo importante das intervenções de Lasier e Ana Amélia está fundado na tese geral da “decadência do Estado”. Apesar de alfinetar a ex-colega de empresa na convenção do PDT, lembrando que ela é “do partido da ditadura que prendeu, torturou e matou trabalhistas”, o jornalista compartilha a visão do Rio Grande do Sul decadente:

“(…) Vou me esforçar para ajudar a tirar do buraco este estado que já foi grande e se apequenou muito, hoje é o estado mais endividado do Brasil, perde espaço para Mato Grosso, Goiás, Santa Catarina, para Pernambuco, que já foi no inicio da década de 70 primeiro lugar em educação, hoje está em oitavo lugar (…)”.

Mas essa tese da decadência começa a enfrentar um poderoso adversário: a realidade. O atual momento econômico da economia do Rio Grande do Sul é de recuperação e a tendência para 2014 é a mesma. Conforme anunciou a Fundação de Economia e Estatística (FEE) esta semana, o PIB do Rio Grande do Sul deve crescer o dobro da média nacional este ano. O Estado cresceu 3,6% no terceiro trimestre de 2013, na comparação com o mesmo trimestre anterior e, de janeiro a setembro, o PIB obteve crescimento de 6,6%, comparado com igual período de 2012. Segundo Martinho Lazzari, economista da FEE, “há um crescimento de todos os setores, não só daqueles envolvidos com a recuperação da agricultura”. Na mesma linha, Adalmir Marquett, presidente da Fundação, observou: “O Estado deve atingir um crescimento que corresponde o dobro do Brasil. As boas notícias do crescimento não vêm só do setor agrícola, mas de todos os setores da economia gaúcha”.

Ou seja, do ponto de vista econômico, a economia do Estado não vive um momento de decadência, mas sim de recuperação. Este deve ser, portanto, o pano de fundo econômico no qual se travará o debate eleitoral. Esse pano de fundo, por sua vez, é emoldurado por uma perspectiva histórica. O Rio Grande do Sul é o que é hoje, para o bem e para o mal, em função das escolhas feitas nos últimos anos pela população do Estado e pelas suas elites dirigentes. Todos têm sua parcela de responsabilidade e deveriam assumi-la.

A tese geral da decadência, abraçada pela RBS, não é de hoje e foi alimentada por escolhas, políticas, candidatos e governantes defendidos pela empresa nas últimas décadas. Essas escolhas foram em favor do Estado mínimo, das privatizações, da sacralização do mercado e da criminalização do setor público. O grupo midiático não só apoiou esse ideário como participou ativamente de sua implementação como ocorreu, por exemplo, no caso da privatização da Companhia Riograndense de Telecomunicação (CRT). Essas escolhas também se expressaram no período seguinte quando foi deflagrada uma guerra sem quartel contra o governo Olívio Dutra, do primeiro ao último dia. Mais tarde, defendeu os “novos modelos de gestão” ancorados em ideias como o “déficit zero”

A RBS não é, portanto, uma entidade a-histórica. Isso é uma obviedade que precisa ser lembrada. Ela e seus comunicadores-candidatos (as) fazem parte das escolhas que conduziram o Rio Grande do Sul ao ponto onde está hoje. Se esse ponto é de decadência, a empresa tem uma importante parcela de responsabilidade por ela. Só que nunca assume isso. Ao fazê-lo, esconde do conjunto da população a perspectiva histórica que ajuda a entender a situação do Estado hoje e os caminhos que estarão mais uma vez em disputa em 2014. Não se trata, portanto, de demonizar a RBS e seus profissionais ou algo do tipo, mas simplesmente de cobrar desse agente político-midiático que explicite suas premissas e assuma a responsabilidade pelas escolhas que fez nas últimas décadas. Talvez a empresa não possa fazer isso porque, ao fazê-lo, estaria expondo o seu caráter híbrido (político-midiático) e ficaria mais visível para a população a face daquilo que o jornalista Juremir Machado da Silva chama de PRBS.

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